quinta-feira, janeiro 18, 2007

O pior

E assim chegamos ao ponto de virada, para o mal ou para o bem, mas que era inevitável.

Para completar todo o amontoado de erros e atitudes reprováveis de todos esses meses ainda fiz mais uma grande merda. Também descobri a pouco tempo que os jogadores compulsivos tem pouca ou nenhuma habilidade pra tratar com dinheiro, simplesmente porque fantasiamos uma situação de reviravolta mágica na nossa vida, e isso pode alcançar absolutamente qualquer esfera. Não falei sobre a realidade do buraco financeiro do casal, esperando que tudo se resolveria logo, sem ajuda nenhuma dela ou de outras pessoas (que já estavam nos ajudando).

Quando jogava sem parar na época da faculdade eu imaginava um momento em que eu pararia de uma hora pra outra, bem a tempo de retomar as aulas e terminar tudo no último semestre antes de ser jubilado, tudo acontecendo como um grande retorno triunfal.

Enquanto jogava mais do que devia no trabalho sempre me apoiei no fato de conseguir terminar tudo antes do prazo, mesmo tendo que correr desesperadamente para que isso se tornasse realidade, comprometendo um pouco a saúde física e mental.

Por conta de deslizes financeiros adquirimos uma certa dívida, e eu imediatamente comecei a esconder isso de todos, até de mim, com a certeza que uma hora tudo seria resolvido magicamente com um dinheiro extra do trabalho, um aumento, e quem sabe até uma vitória de uma em um milhão em jogos de poker online. Corri muito atrás de extras e aumentos, e consegui algumas vezes, mas nunca o suficiente. Cobria uma parte, mas não tudo. Consegui também malditas vitórias nos Freerools (jogos gratuitos) que me deram um dinheiro real no jogo. Digo malditas porquê se não tivesse ganho nada, pelo menos desse jogo eu tinha me livrado mais facilmente.

Nos falta a percepção da realidade. Nos falta ver que não existe mágica no mundo real, não existem reviravoltas se não corrermos atrás, não existe "o escolhido", e muito menos somos nós esses escolhidos. Nossos personagens de jogos são os escolhidos, conseguem salvar mundos, conseguem sair de situações dificílimas, e se não conseguirem ... load game, começar de novo, mudar de jogo, etc; só que isso não é possível na vida real. Se pegarmos a quantidade de vezes que fazemos coisas erradas em um jogo ou perdemos tudo, e fazer 1% disso na vida real, já será mais besteira do que muitos dos piores seres humanos fizeram.

Eu sempre brinquei com o fato de me achar megalomaníaco, mas quando isso se aplica a esse mundo real de sonhos, as consequências são catastróficas. Não existe se enfiar num buraco financeiro e sair por mágica. Não existe perder "o" casamento da vida e se sentir normal com isso porquê é possível voltar atrás e não perdê-lo. Não existe ser expulso da faculdade e de repente todos lembrarem em como você é bom e deixarem você tentar por mais um par de anos. Você pode se achar o quanto você quiser, mas as coisas só acontecem uma vez na vida real. UMA chance de ter um casamento perfeito, UMA chance de fazer uma faculdade na época certa, UMA chance de não se jogar no precipício dos empréstimos bancários.

A mágica do mundo real é diferente. Ela está nas pequenas coisas da vida, como ficar na rede com a esposa curtindo a chuva, rolar com os cachorros no sofá tomando mordidas e também dando umas , acordar todo dia do lado de quem você ama. Ela também está nas coisas grandes, que acontecem só uma vez, como o primeiro emprego ou o casamento. Agora salvar tudo no último segundo, dar a volta por cima quando tudo está uma merda gigante ou perder tudo e conseguir de volta em um piscar de olhos, isso não existe. Existe até nos filmes, mas as histórias disso na vida real são de uma em um bilhão, e não espere que a chance disso acontecer com você seja maior do que a do seu colega de trabalho, seu vizinho ou até mesmo aquele seu conhecido que você gostaria de ver morto. Você não é "o" escolhido. Não existem "neos" no mundo real. É duro, mas é verdade. EU NÃO SOU MELHOR QUE NINGUÉM.

Quando você passa muito tempo jogando você é envolvido pela atmosfera irreal do jogo, você começa a se sentir o melhor dos homens e que é capaz de tudo. Para as pessoas sem a compulsão, a doença, isso acaba no exato momento em que elas desligam os jogos, mas eu acredito que ela se mantenha, mesmo que subconscientemente, na nossa mente. Cada vez mais nos sentimos prontos pra tudo, que nada nos abala, e que somos mais esclarecidos que todo o resto da humanidade, que vemos coisas que ninguém mais vê, resumindo, que nos tornamos os personagens que jogamos.

Agora, olhando pra trás, tenho a sensação de que isso é exatamente o que aconteceu. Passei muito tempo conectado à realidade, sem fantasias sobre mim, sem mergulhar no mundo dos sonhos, até que comecei a jogar mais pesadamente, terminar inúmeros jogos em tempo recorde, e isso começou a afetar a minha percepção da realidade. Eu podia tudo. E tudo isso só foi totalmente distorcido quando eu voltei a jogar. E no círculo vicioso de fugir da realidade por causa das dificuldades por meio dos jogos eletrônicos, e jogar causando distorções na minha percepção, eu comecei a ficar cada vez mais perdido. Eu era de fato duas pessoas. A única coisa que me manteve ligado à realidade foi minha esposa, a nossa ligação ...

Há mais ou menos uma semana contei pra ela sobre a situação financeira e minha recaída. Não foi um ato de extrema bravura não. Não fui consciente e decidi que era a hora de contar. Não tenho mais ilusões a respeito de quão forte eu acho que eu sou. Vinha há muito tempo tentando encontrar forças pra falar de tudo, inventando desculpas de porque esse ou aquele momento do passado não era a hora certa, de porque era melhor esperar mais uma semana. O fato é que com tudo o que eu ia escondendo, uma hora uma ponta ia ficar aparente, e foi o que aconteceu. Não queria mais esconder, não podia mais esconder. Seu eu inventasse mais uma desculpa qualquer para esta ponta, não ia sobrar mais nada em mim mesmo que eu respeitasse. Eu já havia me tornado algo totalmente indigno de respeito, pelo menos por parte dela.

Naquela hora eu decidi que precisava fazer a coisa mais difícil da minha vida. Falar sobre o que vinha acontecendo, sobre o que eu vinha escondendo. Eu me desconectei. Era outra pessoa contando tudo, pois eu mesmo não tinha forças. Eu não chorei, eu não pensei duas vezes, eu fui embora e deixei alguém falando no meu lugar. Simplesmente aquele momento, aqueles poucos minutos podiam acabar com tudo, não sobrar nada ...

Você ver tudo o que você mais preza, tudo o que você via todos os dias do que você considera os anos mais felizes da sua vida nos olhos dela, desaparecerem de uma hora pra outra, por única e exclusivamente sua culpa. Ver que você destruiu algo perfeito, dentro da pessoa perfeita ... Tive a certeza absoluta que é nesse momento que muita gente toma a decisão final mais errada que uma pessoa deveria tomar. Acabar com tudo não te ajuda a resolver os problemas, pois se você fizer isso, os problemas apenas continuam lá, sem ninguém pra resolver. Acabar com você mesmo é acabar com as chances de se arrumar tudo. Por menores que pareçam, as chances sempre estão lá.

Hoje eu estou com muito medo. Medo por nós, medo do jogo, medo de ser uma pessoa diferente do que eu me vi até hoje. Só tenho certeza de uma coisa, que preciso mudar. Se eu não era a pessoa que acreditava ser, vou passar a ser ela. Seu eu sou, mas deixava que o jogo periodicamente me transformasse, então não vou deixar mais. Não posso deixar mais.

Estou em completa suspensão. Não sei o que vai acontecer, não sei direito nem o que aconteceu. Como eu disse, parece que foi com outra pessoa. Me sinto etéreo, vazio. Não tenho mais confiança em nada a meu respeito. Não conheço a pessoa que fez tudo o que eu fiz. Tudo o que eu acho que pode ser uma resposta considero apenas uma desculpa esfarrapada para a quantidade de merda que eu fiz. Só quero recuperar minha sanidade, meu amor próprio. Sempre disse que se você não se ama, como é que você pode acreditar que alguém pode amar você. E hoje definitivamente eu não me amo.

Mas estou conseguindo ver tudo um pouco mais lucidamente, pois a dose de realidade, a visão de que posso ter jogado tudo fora por causa do jogo, por ter me permitido voltar a jogar, expulsaram a megalomania, a sensação de poder tudo, para muuuito longe. Hoje tenho a exata noção de como sou pequeno perto do mundo, de como não sou diferente de absolutamente ninguém e de que posso pôr tudo irremediavelmente a perder por um ato impensado. Eu preciso enxergar as coisas como elas são, e não como eu acho que elas são ou que elas possam se tornar porquê eu me considero diferentes dos outros, ou me considerava.

Não sei qual o meu futuro, só sei qual o meu presente. Já tentei por 8 anos vencer isso sozinho, e não consegui. Acho que isso coloca muito esse problema em perspectiva. Primeiro porquê não existe vencer, não existe consertar, não existe arrumar, existe apenas controlar, e mesmo assim, nestes 8 anos consegui controlar por menos da metade desse tempo. Hoje sei que tenho que mudar, e que não posso fazer isso sozinho. Vou fazer isso com minha esposa, se nós continuarmos juntos, com meus pais pois já escondi muito deles, e eles não merecem isso, e com ajuda profissional ou de outras pessoas que passem pelo mesmo problema, ou parecido.

Eu tenho uma doença que é incurável, que me afeta e às pessoas do meu convívio, e que eu tenho que aprender a manter sob controle. Quanto mais eu falo a respeito, quanto mais eu conto como eu me sinto para outras pessoas, mais fácil é conseguir aceitar isso. Acho que esse é todo o motivo desse blog. Escrever ajuda a organizar o raciocínio, ajuda a me entender, e como ainda falta muito para que eu me entenda, vou escrever muito ainda. Não se se aqui ou apenas no meu computador, para mim. Mas tenho certeza que só pondo pra fora é que vou chegar em algum lugar.

4 Comentários:

Às janeiro 28, 2007 10:18 PM , Anonymous Anônimo disse...

Bruno, meu nome é Carlos e sou um Jogador Compulsivo em recuperação. Faço parte da Irmandade Jogadores Anônimos aqui no RJ. Estamos prevendo dentro em breve (se deus quiser e ele vai querer) abrir uma sala para compulsivos em jogos eletrônicos.
Caso deseje manter contato me escreva: marcos_cana@hotmail.com

Abraços

 
Às dezembro 07, 2011 2:19 AM , Anonymous Anônimo disse...

Meu nome eh Braian, e eu Reconheço que eh ruim mesmo ser viciado em jogos de computador, sou viciado, e nao sei quando irei parar.

é tipo uma fuga da realidade, mas minha vida eh boa, nao entendo o porque. o_o

Até mais.

 
Às abril 02, 2012 4:11 PM , Anonymous Beth disse...

Oi,
Preciso muito de ajuda para entender meu filho que tem 23 anos e joga compulsivamente. Não sei mais o que fazer para ajudá-lo. Olhando no google achei teu blog e vi as similaridades do que vc passou pelo que vejo na vida de meu filho.
voce procurou ajuda médica? Quando percebeu que era um jogador compulsivo? E que precisava de ajuda? Preciso saber como falar,como tratar meu filho,de modo que possa ajud[a-lo.Pq muitas vezes tenho boas intenções,quando vamos conversar,tento ajudar,mas ele diz que eu só ponho ele pra baixo. Porfavor, me auxilie a como ajud[a-lo.
Agradeço imensamente,
Beth

 
Às maio 25, 2013 9:07 PM , Anonymous Anônimo disse...

ola boa noite sou um jogador ja temtei parar umas 5 vezes , ja passei um tempao sem jogar mais voltei , tinha 700 reais perdi to so com 250 reais , tudo em jogo sou descontrolado

 

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