segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Jogadores Anônimos

Motivado pelos comentários em alguns posts vou começar a escrever novamente aqui. Espero que além de me ajudar, tudo o que escrevo possa vir a ajudar pessoas que passem pelo mesmo problema, mesmo que esse não seja o objetivo final do blog. Mas se mais alguém se identificar com o que eu passei e passo e isso ajudar a ver que essa pessoa não é uma aberração, não está sozinha e que esse é um problema real e sério que muitos passamos, então terá valido mais a pena ainda. Não desejo esse problema, essa doença, para realmente mais ninguém, mas desejo que todos que a possuem tenham consciência disso, para que não afete suas vidas como afetou a minha.

Muita coisa aconteceu nessas semanas. O clima em casa já esteve ótimo e já esteve novamente horrível, com idas e vindas, imagino, esperadas. Tensões extras com vestibular, morte na família, problemas de saúde com os cachorros, tudo se acumulando nesse começo de ano. Continuo acreditando que o tempo pode curar todas as feridas, mas acho que isso hoje é mais uma esperança do que um crença. Eu gostaria muito, muito mesmo, mas já não sei dizer se um dias as coisas voltarão a ser como eram. Minha esposa é muito forte, mas está sendo realmente difícil para ela. A única coisa que posso fazer, e continuar fazendo, dia após dia, é não esconder mais nada, falar das minhas angústias e deslizes, falar de tudo. Acho que quando se passarem alguns anos sem surpresas desagradáveis nós dois passemos a acreditar que nada nem remotamente parecido acontecerá novamente.

Eu era quase perfeito na visão dela, como ela fazia questão de me dizer sempre, e ouvir isso de que você considera que seja perfeito é uma das maiores felicidades que você pode ter. Isso eu tinha alcançado apenas sendo eu mesmo, o que é mais fantástico ainda. E agora isso está destruído. Eu tenho uma doença emocional, e eu escondi minha recaída. Isso me tornou bem distante de perfeito. Hoje tento dia após dia resgatar meu amor próprio, resgatar meu respeito próprio, porque só assim será possível retomar a vida de onde ela parou, alguns meses atrás. Quem sabe um dia eu possa chegar perto de novo de se perfeito para ela. Ou pelo menos ser digno. Espero que minha doença não acabe com o que a gente tem, ou tinha.

Bom, voltando ao tópico depois de desabafos, logo depois de contar para ela que eu tinha tido uma recaída, ela mencionou o JA (Jogadores Anônimos - link na lateral do blog), uma reunião como as da AA (Alcoólicos Anonimos), mas para jogadores compulsivos. Na primeira reunião na minha cidade fui até lá para conhecer.

Eu estava um tanto desconfiado da necessidade de participar das reuniões, de discutir problemas que não são exatamente da mesma espécie, mas alguma coisa tinha que mudar na minha vida. Estava bastante óbvio que eu não tinha mais força pra sozinho manter o jogo sob controle. Como ainda não posso fazer terapia particular e como o JA é tão absolutamente unanimidade entre seus participantes, fui para lá. Mas por inércia que por convicção. Estava com bastante medo de não ser bem recebido, mas todos somos jogadores compulsivos ali, independente da natureza do jogo. Existem jogadores de bingo, loteria, maquininha de bingo e o primeiro caso de jogos eletrônicos fui eu.

Num dos comentários dos outros posts vi que existe um movimento no Rio de Janeiro para se montar uma sala específica para jogos de entretenimento, o que seria excepcional. Como eu venho repetindo, é um problema grave e que ainda não é tratado com a seriedade necessária. A diferença entre uma sala de JA convencional e uma específica para o meu problema seria média, já que metade da terapia em JA é falar e metade é ouvir.

Quando você fala a respeito (ou escreve), você tira um peso das costas. Aquilo não fica mais consumindo 90% do seu pensamento. Não desaparece, obviamente, mas você consegue se distanciar um pouco, e se concentrar nas tarefas do dia ou em outras angústias. Nas reuniões de JA você tem o espaço para falar livremente sobre seus problemas com a certeza de que vai ser bem compreendido. E não é preciso se sentir deslocado (digo isso mas eu ainda me sinto bastante), pois como disse uma participante para mim: "nós perdemos algo que é possível ser recuperado, mesmo que difícil, que é o dinheiro. Você perdeu tempo, e isso não se recupera". Isso me tocou bastante e me ajudou a ver que todos em JA estão preocupados com o retorno a uma vida saudável e sem vício, independente do tipo de vício.

Quando você ouve outras histórias sobre a compulsão, que são mais graves ou menos graves que a sua, diferentes em sua natureza mas idênticas em sua essência, você acaba se sentindo inspirado a não jogar nunca mais. Obviamente não posso citar nenhuma história aqui, mas existe uma realidade de jogadores compulsivos que nós não imaginamos até ouvir da pessoa que está falando ali na frente que aconteceu com ela. O mais motivador é ouvir como viver um dia após o outro, sem pressa e abstinente, acumulando um mês, dois, três, seis, um ano, dois anos, etc mudou a vida delas, e é isso que eu quero pra mim. Não voltar a ficar alienado, não voltar a deixar o jogo tirar ou, se deus quiser, quase tirar tudo o que é mais importante na minha vida. Já tirou várias coisas, mas ainda tenho a esperança, e isso ele não conseguiu tirar de mim, e é nisso que eu vou me apoiar, abraçar, agarrar e fazer com que tudo volte ao normal.

Fui em duas reuniões na primeira semana, e depois acabaram se somando os problemas que citei no começo com algumas desculpas, e faltei em quatro. Voltei ontem à uma reunião, com novos participantes e energia renovada. O ambiente está menos estranho, já me sinto mais confortável. Não tanto de falar, pois ainda tenho medo de ser mal recebido (o que, repito, é ao mesmo tempo normal e absurdo), mas falar e escutar me dá forças para não jogar.

Joguei praticamente nada nesse tempo, mas joguei, com a desculpa de pressão por problemas pessoais. Isso parece inofensivo, mas é perigoso. É como brincar de tonto (aquela brincadeira onde você coloca um bastão com 1 metro de altura com a ponta no chão, encosta a testa na outra ponta, e fica rodando em volta dele uma 15 vezes, depois levanta e sai andando) na beira de um precipício. Talvez não seja nada, mas talvez acabe com tudo.

Sendo assim, reiniciei minha contagem de dias de abstenção, e vou reiniciar sempre que jogar qualquer jogo eletrônico, pois talvez até um dia eu possa vir a jogar com a minha esposa ou bater umas fichas no shopping sem grandes conseguências, mas não agora. Não existe jogar um pouco, existe jogar e ponto. Estou a apenas uma jogada do inferno, e garanto que se eu estiver num computador sozinho, estou mais próximo ainda.

Outra coisa que ouvi ontem é a importância de se segurar o primeiro impulso. A compulsão em si dura de 5 a 10 minutos, e se você se segurar nesse tempo, você tem grande chance de não ter recaída. Por isso a importância de telefonar pra alguêm quando estiver com a compulsão. Falar a respeito dela e do que você está sentindo para distrair a cabeça por 5 a 10 minutos é o suficiente. Eu trabalho com programação, ligado 100% do tempo na internet. Para somar às minhas dificuldades ainda tenho facilidade de achar sites com download de jogos em apenas alguns minutos, baixar e jogar com uma conexão empresarial extra-rápida, tudo fica em menos de 10 minutos. Mas agora, sabendo disso, sempre que bater a vontade (que não são poucas vezes) vou sair da frente do computador. Vou levantar e tomar uma água, bater um papo com quem estiver perto, telefonar pra minha esposa, sei lá. O fato é que se eu não tenho certeza de que não vou conseguir instalar algo no meu computador, então tenho que sair de perto dele. É especialmente duro trabalhar pensando nisso tantas vezes, mas se é assim que vai ser, então tenho que me conformar. Se eu me segurar pelos 10 minutos, talvez 15, eu me seguro por mais aquele dia.

Estou fazendo um paralelo de tudo o que aconteceu com a minha vida, e de como e o quê o jogo destruiu, e me vem um pensamento paradoxal. Em tantos e tantos jogos eu sempre me via numa situação difícil, e depois de ralar muito saía por cima. Claro que isso tava no script do jogo e era programado, mas hoje estou acreditando que isso é possível na vida real. Sem passe de mágica, sem megalomania, sem ilusões, apenas trabalhando muito e vivendo um dia após o outro. Acredito que se eu ralar muito, não cometer os mesmo erros e me manter afastado das ilusões, vivendo só no mundo real, as coisas podem voltar ao normal, ou perto disso. Como eu falei antes, são mais esperanças do que qualquer outra coisa, mas graças a deus que elas não morreram, estão aí para me fazer acreditar num futuro bom. Então o jogo que destruiu tudo poderia ter me ensinado algo? Será que eu aprendi com o jogo que se você trabalhar muito as coisas comecem a dar certo pra você? Isso é muito estranho e não tenho respostas pra isso agora. É difícil hoje dar qualquer crédito que seja ao jogo. É apenas algo que quer me manter longe.

O fato é que quanto mais escrevo (pelo tamanho dos posts da pra perceber ;-) ) e falo a respeito, mais afastado consigo me manter. Falo bastante com a minha esposa e falo no JA, e aconselho isso a todo mundo que passa pelo mesmo problema. Não tenha vergonha de falar sobre isso com alguém de sua confiança, mesmo que isso possa abalar essa confiança. Sozinho você só adia o desmoronamento de tudo, mas junto com alguém (JA é um ótimo exemplo) você tem chances, e com certeza consegue sair e controlar, mesmo que isso possa causar o desmoronamento imediato. Entre o risco de um término imediato mas com chances de ter um "depois", e a certeza de um término a longo prazo, escolho cem vezes a chance do "depois".

11 Comentários:

Às abril 13, 2007 2:51 PM , Anonymous Anônimo disse...

Parabéns pela postura!!
Você reconhece o problema e está agindo para solucioná-lo.
Que o Poder Superior continue te fortalecendo e ajude a restaurar sua vida e do seu casamento.
Muitas 24hs de paz e serenidade para você.

 
Às setembro 26, 2007 7:46 AM , Blogger Unknown disse...

Olá
Meu nome é Marijane e faço parte do grupo do JA no Rio de janeiro.
Hoje eu estou com apenas 11 dias de abstinencia ao jogo.
Tá sendo muito dificil pra mim.Mas tenho tentado me manter firme no meu propósito de parar de jogar.(só por hoje eu não vou jogar,só por hoje)
Estou frequentando ao máximo as reuniões.
Meu e-mail é marijane.martins@hotmail.com
Se quiser pode me adicionar ou me enviar um e-mail.
Quando não posso ir as reuniões procuro na net algo q fale sobre o assunto e numa dessas eu lí o q vc escreveu.
Espero continuar firme e mais tarde poder ajudar outras pessoas q precisarão de mim,como agora estou precisando de vcs.
Um abraço.

 
Às agosto 17, 2008 12:15 AM , Blogger Unknown disse...

Vc eh um batalhador!Espero q Deus possa ajudar vc.Hj lendo seu depoimento vi o quanto sou covarde dei as costas a alguém q precisava d mim.Naum tive coragem d enfrentar o problema q são os jogos eletrônicos.Quiçá se eu tiver uma nova chance vou me fortalecer lendo o vc escreve.Sua esposa é uma guerreira.Lute na vida real pelo q vc ama.Vai dar tudo certo!Obg pq do seu exemplo outros se fortalecerão!

 
Às dezembro 15, 2008 1:40 PM , Anonymous Anônimo disse...

sou membro de jogadores anonimos a 6 anos tive uma recaida a 2 anos e hoje estou sem jogar a pelo menos a 1 ano e 10 meses;o programa de jogadores e muito bom.hoje mudei tudo na minha vida estou em outra cidade e recomecei tudo do zero.busco sempre na net os depoimentos para lembra como e bom ficar sem jogar.sou do rj e estou morando no espirito santo es sinto muita falta de todos q me apoiarao

 
Às agosto 01, 2009 4:25 PM , Anonymous Anônimo disse...

Parabéns, espero que tenha vencido esta luta com o vicio em jogos. Estou passando problemas como esse com meu filho de 15 anos , pena que ele não consegue ter a sua conciência ainda.Mas vc me deu uma idéia de como ajudá-lo.

Luiza / Curitiba

 
Às janeiro 08, 2010 1:30 AM , Anonymous Anônimo disse...

Parabéns companheiro pela sua iniciativa, espero que continue sempre participando das reuniões independentemente de reacair ou não. Paz e Sernidade para você. Só por agora!!

 
Às janeiro 15, 2011 9:04 PM , Anonymous Carlos Mendes disse...

Parabéns, li seu comentário procurando na net o JA; pois tenho em minha familia uma pessoa extremamente viciada em jogo (meu cunhado)o qual pensa que um dia ganhará o suficiente para resolver todos os problemas que gerou. O pior é que o mesmo não quer, ou não aceita ajuda, dai estou pensando em participar de uma reunião no JA para que possa ser orientado de que forma agir para que ele possa aceitar e procurar ajuda por si só.
Grande abraço, espero que continue determinado a se curar e possa novamente desfrutar de toda a felicidade que todos nós fazemos jus.

 
Às julho 23, 2012 12:33 AM , Blogger Maria Betânia disse...

Muito corajosa tua iniciativa, eu amo muito alguém que não aceita minha ajuda, não sei como me portar, tudo é tão difícil e desgastante.
Gostaria de pedir á vc q não parasse com este trabalho, pois certamente tua experiência ajudará muito outras pessoas.

 
Às setembro 07, 2012 9:34 PM , Anonymous danisr disse...

Gostei muito de ler estes comentários, pois estou passando um momento difícil com meu marido .Ele é um jogador compulsivo e nçao reconhece , já procurei grupos, li comentário com ele que não surtiram efeito algum.

 
Às novembro 24, 2012 2:22 PM , Blogger Unknown disse...

estou lendo e sentindo na pele me sinto só, é a primeira vez que externo isso e não tenho apoio de meu parceiro. ele me julga mal com palavras pesadas me arrasta cada vez mais para o jogo(maquinas de bingo) e eu tenho consciencia do mal que isso tudo faz na minha vida. ironicamente por causa de um filho e de um antigo namorado frequentei NA e AA por quase 06 anos. conheço a programação, cheguei algumas vezes em dias da sala estar mais vazia pedir para falar e sempre falei e recebi apoio. mas os problemas foram crescendo e o jogo meu refugio, amargo refugio. estou sem grana, sem moral e meu atual companheiro que pensei ser até o fim da minha vida já ameaça me deixar. o pior que sua postura ignorante só piora a situação. minha melhor amiga e querida também é compulsiva de jogo e luta incessantemente para parar.consegue periodos longos sem jogar mas sempre recai trazendo grande frustração na sua vida. sinto a cada vez que ela recai mais tristeza e menos vontade de viver... que loucura. preciso começar de algum modo de algum lugar e seja assim amém.

 
Às dezembro 21, 2012 1:54 AM , Anonymous Anônimo disse...

Cara muito boa sua iniciativa. Eu também passo por uma situação semelhante, sei que os jogos não me darão futuro. Já tentei varias vezes largar, as vezes agente pensa que é inofensivo que é apenas um jogo eu so estou jogando porque estou com vontade agora..., mas é aí que mora o perigo, quando agente se dá conta já está no fundo do abismo. Estou tentando retomar o controle da minha vida. Força amigo, que Deus te abençoe!

 

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