terça-feira, abril 17, 2007

Mensagens para o Blog

Com a matéria distribuída pela Época a pouco tempo tive uma pequena quantidade de mensagens, a maioria de apoio. Acho realmente importante que mais e mais pessoas fiquem cientes da existência desse problema, para que consigam controlar logo no começo. Como já falei várias vezes, a doença é progressiva e toma cada vez mais espaço na nossa vida. Nós nunca nos curamos, apenas aprendemos a nos controlar dia após dia.

Escrevi (e escrevo) pouco aqui porque a cada vez que falo a respeito, tudo o que aconteceu na minha vida pessoal volta, e é muito doloroso lembrar disso. Mas vou falar sobre as mensagens.

Primeiro agradeço a todos que mandaram mensagens de apoio e compreensão. Isso ajuda e muito a dar força para todos os dias conseguir me manter o mais longe possível. Difícil dizer hoje à quanto tempo estou sem jogar, porque não consegui definir exatamente o que faz parte do vício e o que não faz. Será que jogar paciência pode me levar para uma recaída? Será que jogar scrabble com a minha esposa pode me levar a uma recaída? A única coisa que posso dizer é que faz muito tempo que não perco horas do meu dia preso no jogo, e isso é uma grande vitória. Cada mensagem de apoio, cada conversa com outras pessoas a respeito me faz ficar cada vez mais certo que de tenho de ficar longe do jogo.

O que o jogo quase me tirou não tem nenhum jogo que me fizesse sentir nem remotamente parecido. A realidade, suas conquistas, seus amigos, familiares e esposas (namoradas, rolos etc) são insubstituíveis. Claro que você se enfia mais ainda no buraco para não lembrar que sua vida está indo pro buraco, mas é preciso ser forte, é preciso romper o círculo vicioso.

Das mensagens que deixaram no blog, vou falar de duas em particular. Responderia por e-mail, mas elas foram deixadas anonimamente.

1) "O que comentar disso ae? Na verdade senti tristeza da pessoa que escreveu, e nenhuma pena para as pessoas que se tornam viciadas. Quando é que o mundo vai entender q a CULPA dos nossos atos são só NOSSAS? Quando é que as pessoas vão entender q o pior(melhor?) dos nossos problemas é q ngm tem nada com isso?Ngm nem vc que escreveu é VÍTIMA de nada. Se vc é compulsivo, vc será com UO, com Sexo ou com qualquer outra coisa. Vá se tratar. A culpa é sua, não dos jogos. Eu jogo MMORPG e outros jogos como vc citou, Starcraft entre outros, tenho uma namorada, meu relacionamento está ótimo, curso psicologia numa universidade federal difícil e minha vida familiar é bem agradável. Acho que vc deveria apontar para outras causas e problemas. Vício existe em qualquer lugar, e todo vício estraga a vida das pessoas. Sendo de crack como sendo de computador. Mas o crack e o computador nao matam as pessoas, são elas mesmas que optam por fazê-lo. "

Acho que ele está certo em quase tudo o que ele falou, mas tem vários poréns na história:
- A culpa de nossos atos são nossas, mas existem pessoas mais ou menos propensas a se desviar do comportamento considerado "normal" pela sociedade. Ninguém é culpado por eu ser um viciado em jogos eletrônicos, assim como outros são viciados em cigarro, bebida, sexo, etc. Mas o vício é realmente um doença, e você só se percebe um viciado quando ela começa a atrapalhar sua vida. Não devemos proibir a bebida porque existem pessoas com propensão a serem alcoólatras, não devemos proibir os jogos de entretenimento porque existem pessoas que não conseguem jogar eles normalmente, mas precisamos que todos saibam e acreditem que essa doença existe. Se você não tem a propensão para este vício ou para algum outro, eu realmente fico muito feliz. Mas eu, bem como tios alcoólatras, primos que estão a volta com drogas, parentes próximos que também tem problemas com jogos, tenho. E isso não deveria te trazer tristeza ou pena, e sim preocupação. Os problemas de cada um são exclusivamente de cada um, mas é muito mais fácil resolvê-los ou contorná-los com a ajuda de outras pessoas. As que te querem bem nunca vão recusar essa ajuda. Uma frase famosa: "no man is an island". Pense nisso.

2) "Olá, Estou com um grande problema com meu namorado (quando não fica como ex por motivo do jogo). Ele admite estar viciado, mas nada faz pra mudar....aí daqui a pouco muda de opinião e acha que não é vício e que eu estou exagerando...ele já não nota nem que chego em casa..se eu não falo nada ele fica sentado ali até a hora de ir pra aula (isso ele ainda faz). Tentou algumas vezes várias alternativas (diminuir o jogo, não mais jogar, ) mas nenhuma deu certo...e o último acontecimento foi ele mentir pra mim que não havia entrado no computador e eu descobrir que dez minutos antes de ele me dizer isto ele havia baixado um tal jogo “Call of Duty”. Que ele havia comentado um dia antes e eu o lembrei que tínhamos os dois um acordo a cumprir, mas ele mentiu.....DAÍ PIREI...O QUE MAIS PODERÁ MENTIR. PRECISO DE AJUDA. SERÁ QUE É SÓ SOBRE O JOGO QUE ELE PODE MENTIR OUTRAS COISAS. NÃO SEI MAIS O QUE FAZER. AMO ELE DEMAIS, MAS TÔ COMEÇANDO A PIRAR JUNTO COM ELE.....O QUE POSSO FAZER???? "

Olá. Gostaria de responder em particular esta mensagem, mas você não deixou um e-mail. Eu me identifico muito com esta descrição do seu problema. Graças a deus ele ainda consegue frequentar as aulas, o que o tira do mundo cativante dos jogos. A mentira é o grande deslize, de longe, dos viciados. Mas te garanto que ele está mentindo muito mais pra ele mesmo que pra você. Ele quer acreditar, e acredita, em tudo o que fala, para não encarar de frente o problema. Tenho certeza absoluta que ele, quando prometeu baixar o jogo, tinha muita confiança de que realmente não baixaria. E quando ele resolveu baixar, tenho certeza que ele tinha a intenção de jogar apenas alguns minutos pra não pensar muito a respeito. Mas é mais forte que a gente. A mentira é para esconder nossa fraqueza, nossa vergonha de não ter mantido a palavra, ou para tentar adiar a bola de neve de mentiras que se forma e cresce dia após dia.

Não quero defender, ou me fazer passar por um sábio que tem todas as respostas, posso só te falar da minha experiência com jogos e mentira.

Quando ainda não sabia que tinha o vício, e achava que passar 3 anos da minha vida sem sair de casa, sem ir na faculdade, e assim jogar a faculdade no lixo era culpa de uma depressão, nunca pensei em parar de jogar seriamente. Achava que a única coisa que me mantinha viva era o jogo, então não tinha porque parar com ele. Só não percebi que o caminho era o contrário, o que me fazia jogar a vida no lixo e me deixava depressivo com o resultado das minhas não-conquistas era justamente o jogo.

Quando parei de jogar porque arranjei um trabalho, e pouco depois comecei a namorar a minha esposa, não pensei mais no assunto e achei que tinha se comprovado minha tese. Como minha vida tinha se arrumado, e eu parei de jogar, então tudo estava OK. Mas sempre teve uma coisinha. Um joguinho simples online de futebol, os contatos antigos de jogos que eu não jogava mais, essas coisas, mas como tudo estava perfeito na minha vida, não prestei atenção mais aos jogos. Era tudo muito mais divertido que qualquer jogo que eu joguei ou jogaria.

Começando as dificuldades financeiras normais de um casal, comecei a precisar novamente de uma fuga. Tudo continuava perfeito na minha vida, menos a conta do banco. Aí voltei aos poucos a olhar o mundo dos jogos de novo, meio de longe. Nessa época eu decidi dezenas de vezes que não ia mais jogar nada, nem joguinho de celular. Durante alguns dias, semanas até, eu conseguia. Aí eu me convencia que o problema não era tão grande, e que eu estava fazendo tempestade em copo d'água. Aos poucos ia jogando uma coisinha aqui, lendo sites de jogos ali, e baixando uma outra coisa. Aí batia a consciência pesada e eu tomava de novo a decisão de não tocar mais em nada. Funcionou durante anos. Descrevo nos outros posts bastante do que aconteceu.
Aí na última recaída grave, tudo quase foi para o saco. Graças a deus que eu tinha a pessoa especial que tenho ao meu lado. Ela é a pessoa mais forte que eu conheço. Graças a ela e a quanto eu não quero ficar sem ela que hoje consigo ficar mais e mais longe da recaída.

No site dos jogadores anônimos (link na coluna lateral), existem as famosas 20 perguntas, que eu livremente altero para abarcar a realidade dos jogos de entretenimento sem retornos financeiros:
1. Você já perdeu horas de trabalho ou da escola devido ao jogo?
2. Alguma vez o jogo já causou infelicidade na sua vida familiar?
3. O jogo afetou a sua reputação?
4. Você já sentiu remorso após jogar?
5. Você já deixou de fazer necessidades básicas (comer, dormir, ir ao banheiro) porque estava jogando?
6. O jogo causou uma diminuição na sua ambição ou eficiência?
7. Após ter perdido muitas partidas você se sentiu como se necessitasse voltar o mais cedo possível e jogar até ganhar?
8. Após ganhar partidas você sentiu uma forte vontade de voltar e continuar ganhando?
9. Você geralmente jogava até que o sono te obrigasse a parar?
10. Você já perdeu importantes oportunidades na vida porque estava jogando?
11. Alguma já perdeu amigos ou namorados(as) porque preferia jogar?
12. Você relutava em usar o tempo livre para as atividades fora do jogo?
13. O jogo o tornou descuidado com o seu bem estar e o de sua família?
14. Alguma vez você já jogou por mais tempo do que planejava?
15. Alguma vez você já jogou para fugir das preocupações ou problemas?
16. Alguma vez você já cometeu, ou pensou em cometer um ato ilegal para passar mais tempo jogando?
17. O jogo fez com que você tivesse dificuldades para dormir?
18. As discussões, desapontamentos ou frustrações fizeram com que você tivesse vontade de jogar?
19. Alguma vez você já teve vontade de celebrar alguma boa sorte com algumas horas de jogo?
20. Alguma vez você já pensou em se auto-destruir como resultado de seu jogo?

A maioria dos jogadores compulsivos responderão sim a pelo menos sete destas perguntas.

Bom, o primeiro passo é ele acreditar de coração que tem um problema. Mostre para ele a reportagem da época, mostre as histórias de gente que morreu, que matou o filho, etc, por causa desse vício. Convença-o de que obviamente ele ainda está longe de fazer essas coisas, mas que a doença é progressiva. Se ele ficar sozinho porque te perdeu, se ele perder a faculdade, se ele perder o apoio da família, tudo porque ainda não se convenceu de que é sério, aí sim ele chegará a esses extremos, mas por enquanto ele está graças a deus longe.

Mostre as 20 perguntas, e peça para ele respondê-las internamente, sem falar nada pra você, pois é preciso que ele seja sincero. Não pergunte nem pra quantas ele respondeu sim, apenas mostre as perguntas e deixe ele pensar.

Caso isso acenda alguma coisa nele, tente convencê-lo a ir em pelo menos uma reunião do JA, e vá você junto para participar do JOG-ANOM, que costuma acontecer no mesmo local (próximo) e horário. O vício é tão desconcertante tanto para o viciado quanto para os familiares e amigos. A confiança mútua é perdida, o respeito mútuo é perdido, o amor próprio no viciado é perdido, mas enquanto restar amor, resta uma saída. Já ouvi diversas vezes que é mais difícil para quem está próximo do viciado do que pra ele mesmo, pois além de não compreender o vício 100%, a pessoa ainda está impotente. O único que pode dar a palavra final, dar o basta final, é o próprio viciado e quem está em volta só pode ajudar e apoiar.

Ele precisa ter certeza de que tem a propensão ao vício, e que sozinho não vai conseguir se curar, mesmo porque não vai ter cura.

Bom, espero que tenha ajudado alguma coisa.
Já escrevi demais.

Abraços,