Mantendo-se longe
Inspirado obviamente pelo comentário deixado no blog que eu coloquei no post anterior, vou aproveitar e escrever um pouco sobre o meu dia a dia com a abstinência do jogo. Como ele bem frisou, cada um tem a sua história com o vício, cada um tem o seu motivo para decidir que definitivamente estava na hora de parar de jogar, e cada um tem a sua forma de conseguir se manter longe o máximo de tempo possível. Acredito que qualquer tempo que a pessoa conseguir se manter longe já é valiosíssimo. Uma semana, um mês ou um ano no fim acaba tendo o mesmo peso: você saber que quer ficar longe disso e estar fazendo alguma coisa a respeito.
No meu caso, na minha pior época do vício, eu passava literalmente umas 12 horas jogando, 6 ou 7 dormindo e as 5 ou 6 que sobravam comendo, vendo TV e invariavelmente pensando no jogo. Como muitas vezes eu sonhava com jogos, pode se dizer que ás vezes eu ficava em contato com o vício 24 horas por dia. Quando não estava jogando estava pensando no jogo.
Como falei em outro post, eu morava numa república com mais dois que estavam bastante viciados, e quando saíamos todos para comer fora, levamos vários "vai tomar no cu" por que só falávamos de jogar, de estratégias, dos inimigos, etc. Nunca cheguei a ter episódios de entrar no estado de transe do jogo sem estar jogando, mas já tive pesadelos por causa de jogar muito, e passar mau a ponto de quase vomitar depois de horas intensas de jogo. Não sei se o cérebro queria mais ou não aguentava mais.
Por incrível que pareça, nada disso me fez querer parar de jogar. O ponto da virada foi após começar a trabalhar, e logo depois começar a namorar a minha atual esposa. Nessa hora eu vi que a vida era bem mais que jogar, beeeeem mais, e o medo de perder todo o pouco que tinha sido construído foi bastante determinante. Mas este momento é só o começo da luta, talvez o mais importante, pois é o momento de admitir que você tem um problema sério, e começar a tentar resolvê-lo. Depois de muitos períodos sem jogar, alternando com jogar pouco, até chegar na recaída que eu contei, cheguei no ponto que estou agora. Mais de 3 meses sem jogar nem paciência, e bastante feliz, sem crises de abstinência, sem vontades que precisam ser controladas a todo momento. É realmente possível, é só encontrar a real motivação para parar de jogar e se apegar a isso com todas as forças.
Eu trabalho com internet 10 horas por dia, e portanto estou sempre a apenas um endereço de baixar um jogo ou encontrar um joguinho online. Tenho que ser muito atento, mas acredito que estou cada vez mais no controle. Não existe controle depois que você começa a jogar, mas você tem até o momento de entrar no jogo para criar força de vontade para ficar longe, e isso é tempo o suficiente.
Eu fiquei outros períodos grandes longe do jogo, mas como meu contato era zero, acredito que isso me fez ficar com mais vontade. Hoje acabo acessando algumas notícias de jogos da UOL, lendo na folha o que está saindo de novo por aí, e acessando um site específico de notícias de jogos casuais, e sempre que faço isso sinto uma mescla de "como será esse jogo" com "jogar isso estragaria tudo", e assim vou me mantendo longe. Vejo o jogo e sinto o potencial de vício que ele pode exercer nas pessoas, e principalmente que área dele me atrairia. Me insiro em segundos no mundo que o jogo promete, e tenho horror do que aconteceria se eu entrasse lá agora.
A vida real exerce muito mais atração que a vida virtual. Como no meu caso o que mais me envolvia nos jogos era "chegar no final", "desenvolver ao máximo o personagem", "resolver o problema/enigma" ou "encontrar o caminho", acabo consciente ou inconscientemente tentando o mesmo no mundo real:
- Tenho sempre uma séria de pequenos objetivos como arrumar determinada parte da casa, consertar o carro, comprar o que está faltando pra casa, consertar um bug específico no trabalho, etc, que mantém a cabeça ocupada.
- Objetivos de médio prazo como terminar um projeto no trabalho, juntar um pouco de dinheiro para uma compra maior, começar a economizar dinheiro pra por na poupança, entrar na academia, etc.
- Objetivos de longo prazo como comprar um carro novo, fazer uma grande viagem para o exterior com a minha mulher, me preparar para no futuro ajudar os pais e sogros com o que precisarem.
- E finalmente objetivos de vida. O que eu quero fazer da minha vida, o que eu quero ser, que objetivos eu gostaria de ver cumpridos quando eu estivesse com meus 80 anos. Ter uma empresa, uma loja, uma academia, uma aposentadoria, filhos, netos? Os sonhos vão em mil direções, e o importante é estar preparado para seguir na direção que você quiser quando chegar a hora.
Assim mantenho minha cabeça ocupada com coisas importantes, com construção pessoal (vs construção do personagem), com objetivos de curto, médio e longo prazo (vs terminar um jogo ou encontrar a arma x), e vou me mantendo longe do jogo. Hoje em dia, todas as vezes (graças a deus poucas por enquanto) que me pego pensando: "ah, hoje o dia está pesado, eu mereço jogar um pouco", ou "que bosta, não estou produzindo nada, então vou jogar" e outros similares, penso imediatamente: ou vou pra casa e faço alguma coisa útil, já que no trabalho não está dando nada, ou deixo o trabalho de lado e vou pesquisar coisas úteis na internet que façam alguma coisa por mim.
Eu tenho uma necessidade, desde criança, de fantasia. Sempre me apaixonei pelos mundos e ambientações de Isaac Asimov (ficção científica), Tolkien (Sr. dos anéis), Agatha Christie e Edgar Alan Poe (Mistério), para ficar só nos livros. Devo ter começado a ler com uns 10, 11 anos. Antes disso eu criava labirintos e mini jogos em papel e caderno, ou seja, desde sempre eu quis brincar com a criação de lugares, ou com estar em lugares criados por outras pessoas. Hoje em dia eu me pego pensando toda hora que devia escrever um livro sobre qualquer uma das minhas viagens criacionistas, ou por mais paradoxal que pareça, criar um jogo para extravasar tudo o que passa na minha cabeça de tempos em tempos. O que tinha feito até hoje foi gastar imaginação e energia vivendo em outro lugar, e pus na minha cabeça que tenho que gastar essa energia criando.
Como preciso alimentar essa fome de fantasia, hoje eu leio muito. Ficção, romances históricos, ensaios, tudo o que aparece na minha frente. E quando não tem nada novo para ler eu releio livros antigos. Sempre tomo o cuidado para isso não se tornar um novo vício. Fecho o livro e paro de ler se minha esposa fala comigo, fecho o livro e paro de ler se estou com sono, fecho o livro e paro de ler se está na hora de ir para algum lugar. Não quero substituir um vício pelo outro. A pena é que leio rápido demais.
Como foi falado no comentário que eu reproduzi no post anterior, cada um tem a sua forma de lidar com o seu dia a dia, e eu tentei contar um pouco de como eu faço. Achei minha motivação e minhas medidas paleativas para me manter longe e espero que elas sejam suficientes. Se não forem, não é o fim do mundo. Vou ter passado um tempo sem jogar e vou descobrir novas formas de me manter longe, até que isso não seja mais algo que me tome os pensamentos mais do que uma pequena lembrança do passado.