segunda-feira, outubro 29, 2007

Mantendo-se longe

Inspirado obviamente pelo comentário deixado no blog que eu coloquei no post anterior, vou aproveitar e escrever um pouco sobre o meu dia a dia com a abstinência do jogo. Como ele bem frisou, cada um tem a sua história com o vício, cada um tem o seu motivo para decidir que definitivamente estava na hora de parar de jogar, e cada um tem a sua forma de conseguir se manter longe o máximo de tempo possível. Acredito que qualquer tempo que a pessoa conseguir se manter longe já é valiosíssimo. Uma semana, um mês ou um ano no fim acaba tendo o mesmo peso: você saber que quer ficar longe disso e estar fazendo alguma coisa a respeito.

No meu caso, na minha pior época do vício, eu passava literalmente umas 12 horas jogando, 6 ou 7 dormindo e as 5 ou 6 que sobravam comendo, vendo TV e invariavelmente pensando no jogo. Como muitas vezes eu sonhava com jogos, pode se dizer que ás vezes eu ficava em contato com o vício 24 horas por dia. Quando não estava jogando estava pensando no jogo.

Como falei em outro post, eu morava numa república com mais dois que estavam bastante viciados, e quando saíamos todos para comer fora, levamos vários "vai tomar no cu" por que só falávamos de jogar, de estratégias, dos inimigos, etc. Nunca cheguei a ter episódios de entrar no estado de transe do jogo sem estar jogando, mas já tive pesadelos por causa de jogar muito, e passar mau a ponto de quase vomitar depois de horas intensas de jogo. Não sei se o cérebro queria mais ou não aguentava mais.

Por incrível que pareça, nada disso me fez querer parar de jogar. O ponto da virada foi após começar a trabalhar, e logo depois começar a namorar a minha atual esposa. Nessa hora eu vi que a vida era bem mais que jogar, beeeeem mais, e o medo de perder todo o pouco que tinha sido construído foi bastante determinante. Mas este momento é só o começo da luta, talvez o mais importante, pois é o momento de admitir que você tem um problema sério, e começar a tentar resolvê-lo. Depois de muitos períodos sem jogar, alternando com jogar pouco, até chegar na recaída que eu contei, cheguei no ponto que estou agora. Mais de 3 meses sem jogar nem paciência, e bastante feliz, sem crises de abstinência, sem vontades que precisam ser controladas a todo momento. É realmente possível, é só encontrar a real motivação para parar de jogar e se apegar a isso com todas as forças.

Eu trabalho com internet 10 horas por dia, e portanto estou sempre a apenas um endereço de baixar um jogo ou encontrar um joguinho online. Tenho que ser muito atento, mas acredito que estou cada vez mais no controle. Não existe controle depois que você começa a jogar, mas você tem até o momento de entrar no jogo para criar força de vontade para ficar longe, e isso é tempo o suficiente.

Eu fiquei outros períodos grandes longe do jogo, mas como meu contato era zero, acredito que isso me fez ficar com mais vontade. Hoje acabo acessando algumas notícias de jogos da UOL, lendo na folha o que está saindo de novo por aí, e acessando um site específico de notícias de jogos casuais, e sempre que faço isso sinto uma mescla de "como será esse jogo" com "jogar isso estragaria tudo", e assim vou me mantendo longe. Vejo o jogo e sinto o potencial de vício que ele pode exercer nas pessoas, e principalmente que área dele me atrairia. Me insiro em segundos no mundo que o jogo promete, e tenho horror do que aconteceria se eu entrasse lá agora.

A vida real exerce muito mais atração que a vida virtual. Como no meu caso o que mais me envolvia nos jogos era "chegar no final", "desenvolver ao máximo o personagem", "resolver o problema/enigma" ou "encontrar o caminho", acabo consciente ou inconscientemente tentando o mesmo no mundo real:
- Tenho sempre uma séria de pequenos objetivos como arrumar determinada parte da casa, consertar o carro, comprar o que está faltando pra casa, consertar um bug específico no trabalho, etc, que mantém a cabeça ocupada.
- Objetivos de médio prazo como terminar um projeto no trabalho, juntar um pouco de dinheiro para uma compra maior, começar a economizar dinheiro pra por na poupança, entrar na academia, etc.
- Objetivos de longo prazo como comprar um carro novo, fazer uma grande viagem para o exterior com a minha mulher, me preparar para no futuro ajudar os pais e sogros com o que precisarem.
- E finalmente objetivos de vida. O que eu quero fazer da minha vida, o que eu quero ser, que objetivos eu gostaria de ver cumpridos quando eu estivesse com meus 80 anos. Ter uma empresa, uma loja, uma academia, uma aposentadoria, filhos, netos? Os sonhos vão em mil direções, e o importante é estar preparado para seguir na direção que você quiser quando chegar a hora.

Assim mantenho minha cabeça ocupada com coisas importantes, com construção pessoal (vs construção do personagem), com objetivos de curto, médio e longo prazo (vs terminar um jogo ou encontrar a arma x), e vou me mantendo longe do jogo. Hoje em dia, todas as vezes (graças a deus poucas por enquanto) que me pego pensando: "ah, hoje o dia está pesado, eu mereço jogar um pouco", ou "que bosta, não estou produzindo nada, então vou jogar" e outros similares, penso imediatamente: ou vou pra casa e faço alguma coisa útil, já que no trabalho não está dando nada, ou deixo o trabalho de lado e vou pesquisar coisas úteis na internet que façam alguma coisa por mim.

Eu tenho uma necessidade, desde criança, de fantasia. Sempre me apaixonei pelos mundos e ambientações de Isaac Asimov (ficção científica), Tolkien (Sr. dos anéis), Agatha Christie e Edgar Alan Poe (Mistério), para ficar só nos livros. Devo ter começado a ler com uns 10, 11 anos. Antes disso eu criava labirintos e mini jogos em papel e caderno, ou seja, desde sempre eu quis brincar com a criação de lugares, ou com estar em lugares criados por outras pessoas. Hoje em dia eu me pego pensando toda hora que devia escrever um livro sobre qualquer uma das minhas viagens criacionistas, ou por mais paradoxal que pareça, criar um jogo para extravasar tudo o que passa na minha cabeça de tempos em tempos. O que tinha feito até hoje foi gastar imaginação e energia vivendo em outro lugar, e pus na minha cabeça que tenho que gastar essa energia criando.

Como preciso alimentar essa fome de fantasia, hoje eu leio muito. Ficção, romances históricos, ensaios, tudo o que aparece na minha frente. E quando não tem nada novo para ler eu releio livros antigos. Sempre tomo o cuidado para isso não se tornar um novo vício. Fecho o livro e paro de ler se minha esposa fala comigo, fecho o livro e paro de ler se estou com sono, fecho o livro e paro de ler se está na hora de ir para algum lugar. Não quero substituir um vício pelo outro. A pena é que leio rápido demais.

Como foi falado no comentário que eu reproduzi no post anterior, cada um tem a sua forma de lidar com o seu dia a dia, e eu tentei contar um pouco de como eu faço. Achei minha motivação e minhas medidas paleativas para me manter longe e espero que elas sejam suficientes. Se não forem, não é o fim do mundo. Vou ter passado um tempo sem jogar e vou descobrir novas formas de me manter longe, até que isso não seja mais algo que me tome os pensamentos mais do que uma pequena lembrança do passado.

Comentário do último post.

Vou apenas copiar e colar o comentário que deixaram no último post, pafa colocá-lo em evidência. Não vou introduzir, nem apresentar, nem nada, pois ele já diz tudo. É muito bom conhecer gente tão esclarecida e que ataque o problema de frente. MMORPG eu também já me viciei (as vezes me pergunto no que eu não me viciei), e esse pega pesado.

Todas as mensagens que acabo recebendo sempre me ajudam, e muito, e a sua não é excessão. Sempre acho triste descobrir mais alguém que está ou esteve com esse problema, mas por outro lado o fato do assunto ser mais e mais divulgado ajuda a diagnosticar mais pessoas para que elas possam ser ajudadas, ou pelo menos se ajudar. Vou bater nessa tecla até o fim: o vício existe, e só não se descobre tantas pessoas viciadas porque elas não sabem!

Um grande abraço e que você continue firme fora do mundo virtual. Acredito que nosso esforço para ficar longe, por mínimo que seja, sempre vai valer a pena.

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Saudações.
Conheci seu blog hoje, e li as suas últimas mensagens (3 últimas) e fico feliz de saber que você está em uma recuperação. Mas fico triste de saber que outras pessoas passam pelo mesmo problema que eu, afinal, achava que esse problema não era tão comum. Minha história não é muito parecida com a sua, mas com certeza já tivemos algumas experiências comuns.

Minha luta com os jogos já vem de pelo menos uns 6 anos (tenho 25). Digo 6 anos porque antes desse tempo eu não queria parar, só jogava. Decidi parar por volta de 2001.

Estou novamente em uma abstinência, já faz 1 mês que não jogo. Meu vício é com MMORPG. Conheço diversos e já joguei um monte. Quando jogo minha minha alegria depende disso, porque fico contente o dia inteiro já que sei que à noite poderei matar um monstro especial, pegar um item diferente, semana que vem poderei entrar em um clã, mês que vem poderei ter habilidades novas e lutar contra jogadores experientes e por ai vai. Seu combustível emocional vira a realidade do jogo.

Essa última abstinência que tive foi motivada por um fato que realmente me assustou. Sabe aquela espécie de transe que entramos quando jogamos? Não percebemos nada em volta e ficamos numa espécie de concentração plena, algo meio que suspenso no ar, não sei explicar. Bem, estava na cozinha e minha mãe falava de algum assunto que não lembro. De repente percebi que tive um transe desses, na cozinha, olhando para a minha mãe. Foi algo rápido. Quando acabou veio aquela sensação quando acordamos após um sonho: estou acordado, isso é a realidade ou é um sonho? Percebi que tinha acabado de perder contato com a realidade involuntariamente, não estava pensando em nada naquele momento e nem concentrado em algum tema, simplesmente o transe veio e se foi. Na minha interpretação, acho que por um momento não consegui distinguir entre realidade e ficção, tudo já estava virando uma coisa só. Nesse momento, resolvi tentar uma nova abstinência, mas vamos ver até quando, já estou cansado de recaídas...

Bem, mas entrei para falar algo que talvez lhe possa ser útil. Durante esses anos, o máximo que já consegui ficar sem jogar foram 6 meses, por isso, como já tive um grande número de recaídas, percebi alguns padrões em todas elas. Em resumo, vou contar os padrões que percebi comigo, claro que muita coisa pode ser diferente de sua experiencia, nem tudo pode bater com a sua personalidade, com você, mas talvez seja útil.

No começo da abstinência, após um forte período de jogatina, meses ou anos, normalmente, devo dizer que a euforia é grande, você fica muito feliz. Dá vontade de sair por ai gritando que você está livre, de contar para todo mundo que sua vida mudou. Você percebe tudo o que você perdeu nesse tempo, você percebe o quanto jogar é inútil, e ainda pior, percebe o quanto ele pode ser destrutivo para a sua vida. Isso comigo, pelo menos, é sempre assim.

Mas depois de um tempo, normalmente alguns meses, com as desilusões ou fracassos da vida, ou com a rotina estressante e outros fatores, o desejo começa a nascer de novo, começa a querer tomar alguns minutos de seus pensamentos durante o dia. O seu lado racional de repúdio ao jogo começa a ser substituído pelo lado instintivo do desejo. Você começa a entrar em fóruns, a ver mais notícias sobre jogos ou qualquer coisa que represente uma volta ao vício quase que engatinhando, bem aos poucos. Se você resiste a isso, pelo menos comigo é assim, bate uma certa depressão algumas vezes, você fica meio triste, sem vontade de fazer mais nada, a única vontade é deitar e dormir, tentar “se apagar”.

Pelo menos comigo, depois de alguns meses, eu mal posso pensar em um jogo que vem uma saudade, um prazer enorme, um desejo grande... Você sente o cérebro reagindo, parece que ele libera algo na sua cabeça que te faz sentir prazer, mas um prazer muito momentâneo, que acaba mais aumentando a saudade desse prazer do que aliviando alguma coisa. Segundo a reportagem da revista Época, matéria que achei seu blog, o que é liberado no seu cérebro é dopamina. Mas seja lá o que for, é real.

Bem, não sei, você já está também alguns meses sem jogar, e sinto certa euforia em seu último texto, então, caso o desejo comece a voltar aos pouquinhos, Deus queira que não, eu aconselho a tentar algo que estou tentando agora, e pelo menos até o momento está funcionando. A primeira coisa é ter muitos compromissos, de preferência todos longe do computador. Sempre se ocupe com algo, isso vai aumentar bastante o tempo de duração da sua euforia e do seu “ódio” pelo vício, aquele que disse que vem no começo da abstinência.

A segunda coisa que estou tentando fazer é achar um hobby que seja compatível com o jogo. Quero dizer, jogar é ficar com a mente em suspensão, naquela concentração plena no jogo, num estado quase que zen. E existe por trás disso a motivação, já que sempre nos MMORPG tem algo para fazer, para se conseguir, para se derrotar e etc. Para buscar esse mesmo efeito de suspensão e motivação, eu já tentei aulas de música, tocar um instrumento, mas não deu, o instrumento que escolhi é um verdadeiro inferno para se aprender, é uma viola (igual ao violino, mas um pouco maior). Muito difícil para se aprender, fiz uma péssima escolha.

Atualmente, estou tentando um novo hobby, desenhar. Algo mais fácil e prático. Consigo exercer minha criatividade, até mesmo desenhar coisas fantasiosas como os temas dos jogos. Se a concentração no desenho for plena, você consegue efeitos parecidos com o jogo. Toda vez que surgia o pensamento sobre jogos na minha cabeça, isso dentro desse mês que comecei a mais nova abstinência, transferia toda minha ansiedade, todo o meu desejo para o desenho.

A motivação vem dos fóruns que acesso. Freqüento sites de desenho, já vi disputas entre desenhistas que posso participar e etc. Estou procurando meios que me motivem a desenhar, justamente o que a empresa do MMORPG procura para você jogar.

Já comprei um livro e vou ver se consigo prosseguir com esse “tratamento”, se der, vou entrar em uma escola. É mais uma tentativa entre as diversas que já tentei, e todas fracassaram, mas estou confiante nessa agora. Nunca passei tanto tempo em abstinência (1 mês e 3 dias) com a facilidade que estou tendo, por isso a confiança.

Quero que saiba que, apesar dessa agonia em que vivemos entre o desejo e a abstinência, entre o real e a ficção, acredito que o fato de não estarmos sozinhos e encontrarmos outras pessoas que sofrem da mesma agonia é algo que te dá esperanças, mesmo que te deixe triste, porque fico muito chateado quando descubro pessoas jogando sua vida fora por algo tão estúpido e inútil quanto um jogo. Até dormir, como você deu a entender no seu último texto, acredito ser mais recompensador.

Lamentamos e aprendemos com as experiências alheias, ficamos tristes e felizes, o que é provavelmente uma boa síntese da vida humana. Aprendi com o seu blog, espero que tenha alguma utilidade para você também ou para alguém o que escrevi.

Um forte abraço!